ROTEIRO


A Voz do Povo
De Marcelo Reis de Mello
5° tratamento

1 – JANELA – INT/DIA
Mosca bate repetidamente contra o vidro de uma janela sem conseguir sair. Ao fundo a cidade grande.

2 – CASA DE CLEITON, QUARTO – INT/DIA
Cleiton, deitado na cama, se irrita com a mosca que voa a sua volta. Procura afastá-la sem precisar se levantar. O despertador dispara, ensurdecedor. Cleiton soca ele com violência até silenciá-lo.

3 – CASA DE CLEITON, BANHEIRO – INT/DIA
Banheiro de azulejos antigos, mal conservado e sujo. Um banheiro de homem solitário. Cabelos e pelos na pía, sabonete ressecado, coisas jogadas, uma toalha repugnante. O Box é composto de cortina de plástico com motivos infantis ou femininos.
Cleiton se olha no espelho velho. A imagem que vê não lhe agrada. Ele abre o espelho, pega uma escova de dente desgastada e uma pasta de dente endurecida, sem tampa. Em seguida escova os dentes.

4 – CIDADE GRANDE, RUA – EXT/DIA
Cleiton anda pela rua em direção ao trabalho. Carros, ônibus, caminhões passam, barulho de motores, britadeiras, construções. Sujeira pelo chão, pessoas andam indiferentes e apressadas.

5 – CIDADE GRANDE, PRAÇA – EXT/DIA
Praça movimentada. Um homem discursa de maneira eloqüente e descontrolada sobre o caos urbano e a degradação da humanidade. Cleiton apenas passa por ele, mas aquelas palavras como que ecoam em sua mente
LOUCO
As moscas todas não são mais que o reflexo de uma única mosca. E a única mosca é o homem! Insetos da indústria, da destruição em massa, dos pequenos desesperos cotidianos. É o homem na nossa sopa! O homem! O homem! Na nossa sopa é o homem!

6 – SUPERMERCADO – INT/DIA
Caixas trabalham, clientes consomem. Cleiton sai da entrada de serviço, carrega seu material de trabalho, um microfone sem fio. Passa pelo lado de Cíntia e de outras caixas. Raquel, que está debruçada sobre o balcão do caixa de Cíntia, fofocando, aponta Cleiton dando a entender que ele gosta de Cintia. Cíntia dá uma risada tímida, faz um gesto de não ser com ela, continua seu trabalho. Cleiton percebe tudo de canto de olho, sempre com a cabeça baixa, não tem coragem de encará-las. Cleiton passa pelas duas caixas e segue seu caminho para o interior do supermercado. Gerente vem chamar Raquel pra que vá para seu caixa trabalhar, ela vai de má vontade. Gerente vira de costas, ela faz gesto brusco com o braço e segue para seu posto.
Cleiton caminha até seu lugar de trabalho deste dia, liga o microfone e começa:
CLEITON
É a voz do povo! É a voz do povo: viver é um negócio muito perigoso! E a senhora sabe, porque a senhora é casada. Todo cuidado é pouco. Por isso, hoje o superbaratão preparou muitas ofertas especiais pra você, minha amiga. Hoje é seu dia aqui no Baratão.

Neste momento Cleiton percebe que tem vista para o caixa de Cintia. Começa a narrar como se fosse uma declaração de amor para ela. Cintia olha pra ele, corresponde o gesto. Mercado vazio, só os dois ali neste momento.

Escuta só e vem correndo pra cá; é na ilha 4, é isso, hoje a ilha 4 é toda de ofertas para você mulher: Absorvente Protect Woman 15 unidades por apenas 2 reais e 99 centavos... Mas que maravilha, gente... O absorvente da mulher brasileira, da mulher moderna, linda, leve e solta, hoje – só hoje – por menos de 3 reais.

Cleiton é interrompido por uma cliente pedindo licença para passar. Meio desconcertado, dá passagem para a cliente, quando olha de volta para Cíntia, está trabalhando, passando produtos no caixa. Ignora sua presença. Cleiton volta a narrar as ofertas normalmente.

 Vem pra cá. Aqui no Baratão só tem mulher feliz. Que TPM que nada! Com absorvente Protect Woman você estará preparada para todas as dificuldades do dia-a-dia. Independência, liberdade, absorvente Protect Woman, 15 unidades, por menos de 3 reais. Vem pra cá, ilha 4, a ilha 4 é todinha de ofertas pra você.

Paraíba anda através dos corredores, procura Cleiton. Este continua sua locução. Paraíba acha Cleiton, que parece não gostar muita da visita.
CLEITON
Faça aqui como a Dona Silmara e aproveita essa oferta. A Dona Silmara ta comprando pra ela e pras amigas., não é Dona Silmara? (não há nenhuma dona silmara). Vem pra cá você também; junte-se a Dona Silmara... Vem cuidar do que você mulher tem de mais valioso... Na ilha 4, hoje, só tem mulher feliz...

Cleiton olha pro Paraíba que se aproxima. Cleiton parece não gostar, pára de falar e vem na sua direção.
CLEITON
Veio comprar absorvente pra tua mulher, Paraíba?
PARAÍBA
Oxe... Tava passando e te escutei. Tua voz é mesmo muito boa pra rádio, ô Cleiton...
CLEITON
Já te falei que não quero nada com aquela tua rádio pirata, Paraíba. Meu negócio é televisão, te-le-vi-são. Não vou ficar perdendo tempo naquela tua radiozinha de fundo de quintal.
PARAÍBA
Mas o homem é enjoado mesmo, hein? Perdendo tempo? E esse mercado aqui? Vai te dar futuro? Tu quer ir pra TV, passa pela rádio antes. Tu é burro? Todo mundo fez assim!
CLEITON
Paraíba, rala daqui! Já discuti isso com você um monte de vezes.
PARAÍBA
Ah, já sei porque tu não sai daqui. É a menina lá do caixa, né? Tu não tem coragem de falar com ela, não?
CLEITON
(interrompendo, volta a locaução)
Hoje só tem mulher feliz no superbaratão. Venha conferir: absorvente Protect Woman, 15 unidades, por apenas 2 e 99. É isso mesmo, 2 reais e 99 centavos. (Paraíba começa a rir de Cleiton) O absorvente da mulher brasileira, da mulher moderna. Venha para a Ilha 4. Superbaratão, as melhores ofertas estão aqui!
PARAIBA
(ainda rindo)
É isso Cleiton, é isso que tu quer? Ficar falando merda o dia inteiro, vendendo absorvente, refrigerante, peixe... e nada de falar com a menina. Tu é muito frouxo mesmo.
CLEITON
Vaza daqui! Tu não tem nada a ver com isso. Se não tivesse trabalhando te dava uma porrada agora, Paraíba!
PARAÍBA
Vish, agora o rapaz é macho. Perto de mulher tu não tem essa macheza toda, não.

Cleiton fica enfurecido, vai pra cima de Paraíba. Um funcionário do mercado passa do lado deles, Cleiton se recompõem, respira.
CLEITON
Tu ainda vai falar de mim naquela tua rádio de merda, Paraíba, escuta o que to te dizendo. Agora pega teu absorvente e rala daqui. Antes que te quebre a cara aqui mesmo.
PARAÍBA
Eu vou, mas nós vamos conversar lá no Chicão, hein? Tua voz é boa, não esquece disso, não.

Cleiton expressa uma indiferença forçada e volta a narrar enquanto Paraíba se afasta:
CLEITON
E a voz do povo está de volta. A voz do povo que é a sua voz nessa linda tarde de segunda-feira. Venha já aproveitar as ofertas aqui na ilha 4, é isso, hoje o melhor negócio pra você mulher está aqui, na ilha 4...

O movimento no mercado continua.

7 – BAR DO CHICÃO – INT/NOITE
Bar pequeno e vazio. Cleiton entra, vai até o balcão, cumprimenta Chicão.  Chicão já responde deixando uma cerveja e um copo na frente de Cleiton. Chicão volta a prestar atenção no noticiário da televisão. William Bonner falando. Cleiton se serve, dá um gole. Vai até o jogo de caça-niquel, começa a jogar.
Lidiane entra pela outra porta do bar, passa por Cleiton. Vai até o balcão, como quem vai pedir alguma coisa.

CHICÃO
Qué o que Lidiane?

Lidiane corre o olhar pelo bar. Vazio, à exceção de Cleiton. Ignora Chicão e vai até Cleiton, que está distraído com o jogo, bota a mão na sua bunda.
.
LIDIANE
Olha só! Se não é o William Bonner da central quem ta aqui...

Cleiton, concentrado no jogo, olha pra Lidiane de canto de olho, sem interesse. Lidiane chega mais perto dele, se oferece. Ele a afasta com o ombro, sempre olhando para o jogo.
CLEITON
Porque tu não vai atrás dos teus bêbados de sempre?
LIDIANE
Ai amor, tu sabe que eu gosto de você.
CLEITON
Tu não engana ninguém...
LIDIANE
Sabe Cleiton, o que eu gosto é dessa tua voz, me sinto como se estivesse na televisão, na novela.

Cleiton se vira de frente pra ela, esquece o jogo, está interessado. Lidiane sorri, vulgar.
CLEITON
Tu acha mesmo? Tá de sacanagem, né?
LIDIANE
To nada, tua voz deixa qualquer mulher louca. Vem cá, fala no meu ouvidinho, vem.

Cleiton e Lidiane começam a se esfregar ali mesmo. Os dois voltam para o balcão, onde Cleiton deixou sua cerveja e seu copo. Lidiane pede um copo pra ela. Na televisão William Bonner anuncia o intervalo comercial.

8 – CASA DE CLEITON, QUARTO – INT/NOITE
Lidiane e Cleiton na cama. Televisão ligada transmite o jornal. William Bonner fala. Cleiton está sentado a beira da cama, atento à televisão. Lidiane deitada e impaciente.
LIDIANE
A gente veio aqui pra ver essa porra de jornal, foi?

Cleiton se vira para Lidiane, deixa a televisão ligada. Fazem sexo. Cleiton a penetra por trás, com alguma violência, mas sem nenhum afeto ou alegria. Ela tem a barriga encostada no colchão e a face no travesseiro, estimula Cleiton para que goze logo, finge prazer. Cleiton goza e cai para o lado.
Ouvimos a voz de William Bonner dando boa noite.

9 – CASA DE CLEITON, QUARTO – INT/DIA
Quarto escuro. Ouvimos o zumbido da mosca novamente. Uma réstia de luz entra pela janela e corta o rosto de Cleiton. Está enfurecido com a mosca, tenta em vão, apanhá-la. O despertador toca, Cleiton toma um susto. Mais enfurecido ainda ele pega o despertador e taca com violência no chão.

10 – CASA DE CLEITON, BANHEIRO – INT/DIA
Cleiton se olha no espelho velho e sujo. A imagem que vê não lhe agrada. Ele abre o espelho, pega uma escova de dentes desgastada e uma pasta de dente endurecida, sem tampa. Em seguida, como sempre, escova os dentes.

11 – CIDADE GRANDE, RUA – EXT/DIA
Cleiton anda pela rua em direção ao trabalho. Carros, ônibus, caminhões passam, barulho de motores, buzinas, britadeiras, construções. Sujeira pelo chão, pessoas andam indiferentes e apressadas.

12 – CIDADE GRANDE, PRAÇA – EXT/DIA
O louco discursa novamente. Cleiton passa pela praça.
LOUCO
Ninguém está vendo? Ninguém toma tento das próprias asinhas e do próprio zumbido intolerável? Para que essa correria inútil? Mastiga a comida, bicho elétrico! Senta pra comer! Senta pra comer!

13 – SUPERMERCADO – INT/DIA
Cleiton liga o microfone, uma microfonia faz ele desligá-lo rapidamente. Respira, liga novamente e narra as ofertas do dia:
CLEITON
É a voz do povo! É a voz do povo: viver é um negócio muito perigoso. É o marido que não pára em casa, a filha que não sai do telefone e a sogra que não larga do teu pé. Então vem pra cá, que aqui no Superbaratão você é quem manda. Hoje, ofertas imperdíveis: todos os produtos diet e light pela metade do preço pra você.  Sim, é isso mesmo, você não está ficando louco. Metade do preço. Venha conferir as superofertas de hoje aqui no Baratão.

Uma mulher bonita, alta, bem vestida, caminha pelo mercado. Não está fazendo compras. É nitidamente diferente dos outros clientes. Ela é uma caça-talentos de televisão. Procura Cleiton, até que encontra e caminha em sua direção.

CAÇA-TALENTOS
Oi Cleiton, tudo bem? Meu nome é Maria Fernanda. Eu vim te fazer uma proposta.
CLEITON
Você não é amiga do Paraíba não, né? Porque se for, pode dizer pra ele que eu não vou de jeito nenhum...
CAÇA-TALENTOS
(interrompendo)
Espera aí, calma. Não conheço Paraíba nenhum. Sou scouter de uma rede de televisão. Tava passando aqui no centro e ouvi tua voz, tua voz é linda. Queria te chamar pra um teste lá na emissora. Você topa?
CLEITON
Emissora? Isso não é nenhuma pegadinha não, né moça? (procura câmeras escondidas)
CAÇA-TALENTOS
Pegadinha nenhuma. Fica aqui com o meu cartão e me procura no endereço que ta aí, amanhã, às seis e meia. Depois que você sair do trabalho. Só não pode chegar atrasado, ok?
CLEITON
Que atrasado que nada, moça. Pode deixar.

Eles se cumprimentam, a Caça-talentos vai embora. Cleiton fica com cara feliz, volta ao trabalho mais animado. Se sente dentro de um espetáculo já, diante de uma Platéia.
CLEITON
Olha a gelatina diet pra manter o bumbum bem durinho e o refrigerante light pra quem quer sentir prazer sem nenhuma culpa. Pra fazer bonito nesse carnaval, senhoras e senhores, é aproveitando as ofertas de hoje, aqui, no seu hiper, mega, superbaratão.

Funcionário interrompe Cleiton. Cleiton volta à realidade.

FUNCIONÁRIO
Cleiton, o Moraes ta te chamando lá em cima pra te passar as ofertas do fim do dia.

Cleiton sai, movimento do mercado continua.

14 – CIDADE GRANDE, RUA E CAMELÔ – EXT/NOITE
Cleiton sai do trabalho. Anda com passo firme e determinado.
CLEITON
É hoje. É hoje, filha da puta!

Cleiton anda pelas ruas. Pára diante de um camelô, compra algo que não conseguimos identificar. Ele coloca uma sacola grande na mochila, tira dinheiro do bolso e entrega ao vendedor.

15 – BAR DO CHICÃO – INT/NOITE
Na televisão, fala William Bonner. Bar movimentado. Bêbados conversam.  Chicão atende atrás do balcão. Paraíba e Lidiane estão num canto, conversam e bebem alegremente. Já estão meio altos. Paraíba meio bêbado se aproveita de Lidiane.
Cleiton entra no boteco, ignora a presença dos dois. O dono do bar vem em sua direção com uma cerveja e um copo, ele rejeita e pede um conhaque.
CLEITON
Quero um conhaque hoje!

Dono do bar se espanta por um segundo. Paraíba volta sua atenção para Cleiton.
PARAÍBA
Ô Cleiton, não cumprimenta mais os amigos, não? Ganhou aumento é? Bebendo conhaque... Tá chique, hein? Mas viu, continuo te esperando lá na rádio, viu? Quando tu esquecer essa história de televisão tu vem falar comigo.

Cleiton sorri de canto de boca, com ar de desprezo. Ignora Paraíba. Vira o resto do conhaque.
LIDIANE
Deixa esse otário pra lá. Vamos falar de nós...

Cleiton vira mais um conhaque, deixa uma nota no balcão e sai do bar.

16 – CASA DE CLEITON, QUARTO – INT/DIA
Tela preta, zumbido de mosca indo e vindo. Mosca é eletrecutada e estoura na malha de ferro de uma raquete elétrica.
CLEITON
Te peguei, filha da puta!

Cleiton abre as cortinas e o quarto foca bem iluminado pela primeira vez. É manhã.


17 – CASA DE CLEITON, BANHEIRO – INT/DIA
O banheiro está limpo. Cleiton diante do espelho, tem a aparência de um vencedor. Tem gel no cabelo, a barba bem feita. Se olha no espelho, está satisfeito consigo mesmo, hoje é um dia especial.

18 – CASA DE CLEITON, COZINHA – INT/DIA
Cleiton toma café da manhã na pequena cozinha. Café, pão, manteiga, goiabada na mesa. Come tranquilamente enquanto vê o noticiário da manhã.
TELEVISÃO
Acidente envolvendo 4 carros e dois caminhões interditou completamente a  linha vermelha nesta manhã. A polícia rodoviária e os bombeiros acabam de chegar ao local. O trânsito está completamente parado, o engarrafamento já chega a 10 quilômetros.

Cleiton desliga a televisão.

19 – CIDADE GRANDE, RUA – EXT/DIA
Cleiton vai para o trabalho de trem. Está com boa aparência. Cleiton anda pelas ruas em direção ao trabalho. Pouco movimento, quase nenhum barulho, as ruas estão tranqüilas.

20 – CIDADE GRANDE, PRAÇA – EXT/DIA
Cleiton atravessa a praça, o louco não está lá. Cleiton pára por um momento, olha pro lugar onde o louco sempre está. Apenas pessoas passam pra lá e pra cá.

21 – SUPERMERCADO – INT/DIA
CLEITON
É a voz do povo! É a voz do povo: o dia está lindo, o clima está perfeito. Então venha conferir as ofertas do Superbaratão pra você. Que tal filé de peixe congelado, limpinho, pronto para ir pra frigideira? Não dá trabalho, é só prazer. Vem prá cá, ilha 2, filé de peixe congelado.

Mercado com o movimento de sempre. Paraíba aparece, vem conversar com Cleiton.
PARAÍBA
Cleiton, quero falar contigo...
CLEITON
Mas de novo! Não tenho nada pra conversar Paraíba. Rala!
PARAÍBA
Cleiton, me escuta. A gente pode voltar a trabalhar junto. Como nos velhos tempos, lembra?
CLEITON
Falou bem, velhos tempos.
PARAÍBA
Vamo lá na rádio pra tu vê. Tá bem diferente, tu vai pode....
CLEITON
(interrompendo)
Eu vou pra TV, Paraíba, pra TV! A mulher veio ontem falá comigo, a scouter...
PARAÍBA
(interrompendo)
 A o q? Iscau... Iscauter?
CLEITON
Scouter, Paraíba, scouter. É uma caça-talentos da televisão. Ela veio ontem fala comigo. Hoje vou lá, depois que sair daqui. Vou pra televisão, nunca mais vou pisar nessa merda de mercado, nem naquele boteco sujo, nem falar com aqueles bêbados vagabundos.
PARAÍBA
Ah, então é isso? Tu não olha mais na cara de ninguém porque vai virar o tal? Cuidado pra não contar com o ovo no cu da galinha, hein?
CLEITON
Vaza daqui, Paraíba! Tu ta com inveja, isso sim! Agora, se tu quiser me ver, vai ter que ligar no noticiário.
PARAÍBA
Caralho, Cleiton, tu é muito escroto mesmo!
CLEITON
Cuidado que inveja dá câncer haha!
PARAÍBA
Vá pra puta que te pariu! Tu é um merda mesmo. E eu querendo te ajudar...
CLEITON
Haha,preciso disso não. Não preciso, nem nunca precisei da tua ajuda, Paraíba.
PARAÍBA
Mas é muito descarado! Nunca precisou?! Nunca precisou?! Vai a merda Cleiton, que é teu lugar!

Paraíba se vira e vai embora. Cleiton volta ao trabalho, orgulhoso de si e de seu futuro.
CLEITON
É a voz do povo! É  a voz do povo: viver é um negócio muito perigoso. Mas hoje não, hoje não. Hoje é dia de alegria, dia de se olhar no espelho e dizer: Esse é o cara! Dia de agradar a sua mulher, o seu maridão, hoje é dia de ofertas incríveis aqui no Superbaratão – o mercado que é a cara do Brasil!

Fim de expediente. Raquel fecha seu caixa, vai conversar com Cíntia, que ainda trabalha. Cleiton anda pelos corredores de forma altiva, postura ereta, passa por Cíntia, olha pra ele e dá uma piscada. Cíntia fica vermelha, olha pra baixo, continua passando os produtos de forma automática, sua amiga fica mais espantada que ela. Cleiton caminha para a saída de serviço.

22 – SUPERMERCADO, VESTIÁRIO – INT/NOITE
Ao som do vestiário cheio de pessoas, Cleiton, sozinho, tira o uniforme do mercado, se arruma para sua entrevista na televisão. Está feliz, se arruma com esmero e cuidado. Dá um último retoque no cabelo e sai.

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